sexta-feira, outubro 28, 2011

NÓS PODEMOS SER O NOSSO MAIOR INIMIGO

Hoje lembrei-me de um raspanete que há alguns anos me deram no aeroporto Galeão Santos Dumont. É que às vezes, sem sequer repararmos, estamos a colocar em risco o modo de sobrevivência de alguém.

Já há muito que não ía ao Modelo do Norte Shopping. Está completamente renovado, muito bonito, muito bem cuidado, e, talvez não tendo mais área, está maior. E, novidade das novidades, com mais caixas para pagamento, muito embora a maioria sejam caixas electrónicas para uso do próprio cliente.
Não sei se pela novidade, se pela vontade de experimentar ou até por se achar que é mais rápido, na hora do pagamento a fila era maior para essas máquinas que para o caixa 'humano', que por acaso até era um rapaz.
Lá me pus eu na fila, para o caixa humano, obviamente. Tinha à minha frente uma rapariga novita e à frente dela estava uma senhora de idade a ser atendida. Não sei se pelo volume de compras, se pela falta de destreza causada pela idade, o que é facto é que aquela senhora empatou ali um bocadinho. O tempo suficiente para eu observar que a maior parte das pessoas que estavam a utilizar as ditas máquinas, se deparavam constantemente com algum tipo de dificuldade. E de vez em quando lá ía uma menina dar uma ajuda.

A evolução tecnológica veio desenvolver o mundo, facilitar a vida de todos nós. Mas, como tudo na vida, também trouxe efeitos negativos. E para este meu desabafo, evidencio a extinção de muitos postos de trabalho. Maximizaram-se produções, facilitaram-se os serviços, eu sei. Mas muitas pessoas ficaram sem a sua fonte de rendimento. É o progresso, dizem!
Mas agora pergunto eu: também será progresso termos de ser nós a fazer o serviço de caixa num super mercado? Saiem-nos por sinal as compras mais baratas por isso?
Foi exactamente esta pergunta que eu fiz ao rapaz do caixa, quando chegou a minha vez:
- Qual é o desconto que as pessoas têm por serem elas a fazer o seu serviço?
- Nenhum - diz o rapaz timidamente.
- E pelo que eu vejo, aquelas máquinas vieram substituír o serviço de pelo menos... humm... 2 pessoas. - continuei eu.
- De três! - diz o rapaz agora num tom mais desenvolto.
- E as pessoas preferem ser elas, mesmo assim, a terem esse trabalho... - rematei eu como quem pensa em voz alta.
O rapaz olhou pra mim, encolheu os ombros e sorriu. Um daqueles sorrisos de resignação, pareceu-me.

Se repararmos bem, o progresso já nos trouxe muitos retrocessos: já ninguém nos coloca o combustível no depósito do carro - somos nós que o fazemos e temos de pagar o mesmo; já quase não há pessoas nas portagens - agora até para o pagamento em dinheiro/cartão na hora, há já máquinas para o cliente utilizar; em frente ao computador fazemos nós mesmos os nossos pagamentos bancários - mas continuamos a pagar despesas de manutenção no banco; e muitos outros exemplos que todos nós podemos encontrar diariamente. Temos quase tudo no sistema de self-service, porque assim é o progresso.
Como cliente, passar a fazer qualquer serviço extra porque sai mais barato é uma coisa. Fazê-lo a troco de nada é outra. E, no caso do super mercado, alinhando nestas novas modalidades, é podermos estar a acabar com aquele que, eventualmente, poderia vir a ser o nosso sustento, dada a crise de desemprego que atravessamos, ou pelo menos o de alguém.

Há algum anos deram-me um raspanete no aeroporto do Rio de Janeiro, porque fui arrumar o carrinho que tinha utilizado para transportar a minha bagagem. E só depois percebi que aquela pessoa que ralhava comigo, estava a lutar pelo seu posto de trabalho. Se todas as pessoas fizessem o mesmo, ela deixaria de fazer falta.
Curioso, não é?!